UM HOMEM DE DEUS
por Márcio Crestani
Tive a oportunidade ontem, precisamente dia 09 de julho de 2010, de conhecer uma pessoa diferente de tudo que eu já tinha visto na igreja, de personalidade forte, com uma fé muito grande, cujos relatos de seu passado jamais levariam a associá-los a pessoa que ele é hoje.
Chama-se Vicente de Paulo (ele autorizou-me a usar o seu nome), mas atende pelo singelo apelido de Paulão. É um cidadão brasiliense de 41 anos, de 1,87 m de altura e cento e dez quilos. Sua história de vida nos renderia horas, talvez dias de conversa. É um homem que aprendeu, com as adversidades da vida, a amar a Deus sobre todas as coisas.
Fui almoçar com minha família num restaurante próximo a minha casa e, chegando lá, estavam almoçando Félix e seu convidado, Paulão, que veio passar alguns dias em nossa cidade. Sentamo-nos à mesa com os dois e Paulão, entre uma garfada e outra em seu volumoso prato, começou a dar um testemunho de vida fantástico.
Hoje Paulão é cristão convicto, membro da Igreja Adventista do Sétimo dia. Entretanto, ele tinha um passado sombrio. Paulão era policial civil na cidade de Águas Lindas, no estado de Goiás. Era um homem que não acreditava em nada além de seus músculos. Sua fé religiosa era baseada em teorias espíritas e de magia negra. Relatou-me que adorava os vícios do mundo. Uma garrafa de uísque para ele era aperitivo. Entretanto, sua vida estava se perdendo num profundo abismo. Era uma pessoa de ação e poucas palavras. Determinadas atitudes, porém, associadas ao consumo excessivo de álcool e drogas, estavam o levando a um estado de depressão que não teria mais volta, não fosse a ação de Deus em sua vida.
Um policial encara situações extremas, mas Paulão já não dava mais importância, pois um homem que perde a vontade de viver perde o medo. Sua bagagem era pesada. Na sua profissão o que mais ele via eram assaltos, estupros, assassinatos, agressões, enfim, o que de pior pode existir na sociedade. [fazia parte de sua rotina.] Paulão descarregava seus sentimentos nos vícios que mantinha.
Seu estado depressivo estava chegando a tal ponto que um dia Paulão decidiu que acabaria com sua vida. Totalmente alucinado devido ao álcool e as drogas que havia consumido, trancou-se em seu quarto e pegou um revólver, colocou um projétil no tambor, girou e apontou a arma para a própria cabeça. Apertou e nada. “Mas que droga!” Pensou ele. Girou o tambor novamente, encostou a arma na cabeça, apertou o gatilho, certo de que agora estouraria seus miolos, e nada... Neste momento ele viu uma luz brilhando em cima do guarda-roupa, que estava ao seu lado. Será que eu bebi tanto assim, pensou ele. O que será isto. Então ele levantou-se e foi ver o que tinha lá em cima.
Surpreso, encontrou uma bíblia ilustrada, dessas que são usadas pelas crianças. Foi até o quarto de sua vó,que morava com ele, dizer o que tinha acontecido e mostrou a ela a bíblia e que dela tinha surgido uma luz de cima do guarda-roupa. Ela é uma senhora cristã e sabia que aquilo era um sinal de Deus. Ele a perguntou se o que estava escrito ali era verdade, e ela, confirmando, Deus fez com que ele, naquele momento, começasse a mudar o rumo de sua vida.
Paulão seguiu sua vida conturbada. Entre suas aventuras conheceu uma moça cristã, e se apaixonou perdidamente. Eles começaram um namoro, Paulão era um homem do mundo, acostumado a se relacionar com mulheres fáceis, mas com esta moça Paulão tinha um respeito único. A mãe dela propôs iniciar um curso bíblico com Paulão, que meio contrariado aceitou. No decorrer do curso, Paulão foi conhecendo coisas que antes julgava sem importância. Aprendeu o significado da fé e o poder de Deus em nossas vidas. Teve inúmeros ensinamentos através do livro sagrado.
Mas Paulão era teimoso demais. Um dia ele desistiu da futura sogra, desistiu da namorada e caiu nas perdições do mundo novamente. E assim foi, por mais de um mês. Bebidas, mulheres, festas. Um dia o sentimento de culpa foi tomando conta de Paulão. Ele se perguntou o que estava fazendo, já que ele amava sua namorada.
Quando não aguentava mais a saudade, comprou um buquê de flores e foi atrás de sua amada. Para sua surpresa, ao chegar em sua casa, ela o recepcionou, o chamando de amor e dando-lhe um beijo, como se nada tivesse acontecido. Paulão sabia que aquela mulher era a mulher de sua vida. Os dois se casaram e ele foi para a igreja para não mais sair. Sua profissão, no entanto, não combinava em nada com um homem de Deus.
Algumas situações foram causando sofrimento em Paulão. Ele já não era mais aquele ser insensível que não dava valor para a vida.
Um dia, ao entrar na delegacia, viu um senhor sentado no corredor. Paulão perguntou o que ele tinha feito, já que uma pessoa de bem não estaria em um corredor de delegacia àquela hora, mas ele negou qualquer envolvimento com alguma situação ilícita.
Ao sair dali Paulão viu o delegado dizendo a um colega: “não conte nada pro Paulão...” Ele ouviu aquilo e viu que diante do delegado havia um menino, com idade em torno de oito anos. Paulão queria saber o que estava acontecendo, já tomado de raiva. Ele, então, chamou o menino para saber o que aquele senhor tinha feito com ele. O menino, sem muita noção do que tinha passado, com suas palavras, disse o que aquele homem cometia com ele(um caso explícito de pedofilia). Em troca ele ganhava um prato de comida.
Paulão foi dominado por um sentimento de ódio daquele homem e, não conseguindo se controlar, quase matou o miserável. Ele desferiu tantos golpes no infeliz que quase provocou seu óbito. Depois disso Paulão se arrependeu, afinal não é essa uma atitude que deva ser tomada por um cristão.
Sua permanência na polícia estava se tornando cada vez mais insuportável. Seus colegas o discriminavam, pois ele já não era mais o mesmo Paulão de antes. Ficava durante o expediente ouvindo hinos no seu computador, e seus colegas o taxando de fanático. Deparava-se com situações em que ele não conseguia conter a raiva.
Um dia encontrou na delegacia um homem, sentado em um canto, algemado. Era um cidadão de porte muito avantajado. Conseguia ser maior que Paulão. Com seu instinto Paulão foi até aquele homem saber o que tinha acontecido. Ele, muito tranquilo, dizia que não sabia de nada e que não tinha feito nada. Óbvio que para estar ali alguma coisa ele tinha feito, inda mais algemado. Paulão seguiu pelos corredores e mais a frente deparou-se com uma mulher com sinais de espancamento por todo o corpo. Ela estava com uma criança no colo. Seu rosto estava completamente desfigurado. Paulão descobriu que aquela mulher tinha sido espancada pelo marido com uma marreta de borracha, que são usadas pelos caminhoneiros para verificar se os pneus estão cheios.
Paulão associou a mulher ao indivíduo que ele viu sentado no corredor, foi até ele e constatou que era o próprio. Paulão mais uma vez perdeu o controle, tirou o coldre com sua arma e chamou o homem para uma luta corporal. Quase o matou...
Teve também o um caso de um senhor, já de idade avançada, que chegou à delegacia para registrar queixa contra o próprio filho, que havia lhe espancado violentamente. Paulão ficou impressionado com o que um filho fora capaz de fazer contra o próprio pai. Com seu instinto de fazer justiça com as próprias mãos, Paulão perguntou onde o homem morava e foi até lá acertar as contas com o seu filho.
Chegando lá se deparou com um rapaz com uma bíblia em punho, dizendo que o seu irmão fora o responsável pelo espancamento. Paulão quis saber porque o rapaz, que era cristão, não interveio diante da agressão do próprio pai, mas o rapaz disse que nada pode fazer. Paulão, achando-o um frouxo, invadiu a casa e deparou-se com o agressor dentro da residência. Ele voou para cima do indivíduo e lhe deu uma surra que ele jamais esqueceu. Ele saiu da casa abaixo de golpes de artes marciais e, chegando no quintal, Paulão juntou um caibro de eucalipto de grossa espessura, um 8 x 8, e lhe espancou ainda mais, levando-o para a delegacia.
Chegando ao departamento de policia, Paulão jogou-o dentro de uma cela, ele caiu quase inconsciente. Paulão esperou que ele recuperasse os sentidos, mandou-o ficar de joelhos e lhe entregou uma bíblia, dizendo que quando ele voltasse queria ver o detido com o salmo 91 na ponta da língua.
Tinha um preso que Paulão ajudava sua família, e mesmo tendo sido Paulão o responsável pela sua detenção ele era extremamente obediente ao Paulão, chamando-lhe de “chefe”. Paulão o chamou, seu nome era Rubinho, e ordenou-lhe que não deixasse o novo detento ficar em outra posição que não fosse de joelhos. E se ele não tivesse decorado o salmo 91 quando Paulão retornasse a delegacia os dois apanhariam.
Paulão então saiu para uma diligência e acabou esquecendo do infeliz, chegando três horas depois. Foi então até sua sala, pegou o caibro que havia lhe espancado anteriormente, foi até a cela e ordenou que o detento recitasse o salmo que ele havia ordenado.
Ele então começou: -O que habita no esconderijo do altíssimo e descansa à sombra do onipotente diz ao senhor... meu refúgio e meu... ai, ai, não lembro o resto...
Paulão sentiu a ira tomando conta de seu corpo, um calor subindo-lhe o rosto, e berrou por Rubinho, dizendo: - Ele não decorou todo o salmo, você vai apanhar primeiro!
- Chefe, ele não sabe ler! disse Rubinho.
Paulão conteve sua raiva e saiu de lá. Ao final da tarde foi obrigado a soltar o detento, já que seu pai não quis registrar queixa e mais nada a polícia poderia fazer.
O tempo passou e, um ano depois, Paulão estava com seus colegas conversando em um saguão da delegacia. De repente um homem entra e pergunta se pode lhes entregar uma mensagem de Deus. Os policiais concordam e ele entrega um panfleto para cada um deles. Quando chega diante de Paulão ele não entrega, entregando ao próximo e assim consecutivamente. O último da fila pergunta porque ele não entregou um panfleto também para Paulão e ele responde: -porque ele é um homem de Deus!
Paulão lhe chama de volta, querendo saber como aquele homem sabia que ele era cristão.
Ele diz: - Há um ano atrás o senhor esteve em minha casa e capturou meu irmão, que havia agredido nosso pai. Ele foi espancado pelo senhor e o senhor ordenou que ele lesse o salmo 91, mas ele não sabia ler. Ele voltou para casa depois daquilo e aprendeu a ler, começou a frequentar a nossa igreja, a Assembleia de Deus, e hoje realiza trabalhos missionários por todo o país. Muito obrigado!
O jovem deu as costas e se retirou da delegacia, deixando Paulão perplexo com aquela hitóra.
A sua truculência estava, involuntariamente, salvando uma alma. Apesar de ele ter agido de forma errada como cristão, Deus plantou naquele rapaz uma semente de fé, da qual diversas pessoas colheriam frutos.
Paulão sabia que ali não era o seu lugar. Passaram-se mais alguns dias e resolveu pedir demissão. Seus colegas e o delegado vibraram com a decisão de Paulão, pois ele já tinha se tornado, havia muito tempo, um incômodo naquele departamento.
Ao chegar em casa e dar a notícia sua esposa ficou preocupada. Do que eles iriam viver agora? Paulão entregou a situação nas mãos de Deus, juntou-se à sua esposa em oração pedindo a Deus um novo emprego e, em menos de 24 horas estava empregado novamente, ganhando um salário cinco vezes maior que o que ele ganhava como policial.
Hoje Paulão faz parte da equipe de trabalho do Senado Federal em Brasília, veio para Guaiba e aqui ouvimos o seu testemunho de fé. Foi um privilégio conhecê-lo.
Mas a história de Paulão não termina por aqui, em sua estadia em minha cidade, ele fez algumas visitas por aqui e tem testemunhos fantásticos a relatar-nos.
Márcio Crestani - Julho de 2010